O filme francês de 2013, dirigido por Olivier Assayas, é
mais uma tentativa de lidar com os acontecimentos de maio de 1968. O que ele
faz de diferente é focar sua análise nos anos 1970, ou seja, no período já de
decadência pós-68.
O protagonista, Gilles, no início da trama é ainda um garoto
secundarista, envolvido nas discussões do movimento estudantil do liceu onde
estuda. Com o decorrer da narrativa, ele e seus colegas de classe precisam
tomar escolhas profissionais. É a partir desse contexto que os conflitos
políticos da época nos são apresentados.
A politização de Gilles, por exemplo, sempre está
relacionada ao seu interesse pela arte, seja o desenho, a pintura, a música ou
o cinema. O jogo entre arte e política é vivido por ele até mesmo no plano
amoroso (sua primeira namorada era artista; a segunda, militante).
Uma das cenas simbólicas dessa discussão é aquela em que ele
decide não embarcar com a segunda namorada no projeto de um grupo de
documentaristas, por discordar da postura estética adotada por eles. Em torno
desse embate, há uma discussão sobre o famoso debate forma VS. conteúdo. Quais são as estratégias estéticas que a
Esquerda deve adotar? O filme, além de não dar uma resposta para isso (e nem
devemos cobrar isso dele), passa muito rapidamente pela discussão, e a torna um
tanto caricata, como se houvesse apenas duas opções: o vanguardismo puramente estético
ou a abordagem meramente conteudística em formato ultra-tradicional. Um tema
extremamente importante de ser discutido, mas que o filme acaba lidando de
maneira um tanto superficial.
Num outro momento do filme, os mesmos documentaristas
relatam a experiência que tiveram com a filmagem, dizendo que perceberam a
necessidade de “dar a câmera nas mãos dos operários” que foram filmar. Em
seguida, comentam que ainda não sabem o que fazer com o material, se devem ou
não dar para os operários editarem, uma vez que eles não conhecem a técnica.
Novamente, o filme perde a oportunidade de lidar com uma discussão riquíssima
ao simplesmente cortar a cena e mudar de assunto.
A narrativa, então, estabelece um percurso no qual, através
do protagonista, seus envolvimentos com outros artistas e com as ações do
movimento estudantil, vamos acompanhando as tensões do momento histórico. As
imagens que temos são de muita repressão, ao mesmo tempo em que temos a
sensação de não haver foco nas estratégias e no pensamento da Esquerda daquela
época. Ainda há energia combativa, mas o projeto de 1968 já está degringolando.
No final, o protagonista – até então dividido entre a arte e
a militância mais hardcore –, é
sugado pela indústria. Por intermédio de seu pai, cineasta, começa a trabalhar
como assistente num projeto de cinema que se diz independente, mas é claramente
comercial e distante do tipo de proposta artística ou política com a qual o
jovem esteve engajado até então.
Curiosamente, muitos dos personagens ao final voltam para o
colo dos pais. Esse movimento é claramente um simbolismo do retrocesso
histórico pós-68. Uma vez que a revolução não aconteceu, e os espaços de luta
estão cada vez mais cercados, resta aos jovens procurar um lugar no mercado, e
serem acolhidos pelo calor dos braços da geração anterior.
Mesmo com essa inserção explícita na indústria cultural, a última
imagem do filme é do subconsciente de Gilles. O que ele nos mostra são imagens
nostálgicas e idealizadas de sua primeira namorada. Além da conexão que
estabelecemos entre essa namorada e o lado mais artístico do protagonista, a
moça parece funcionar aqui como símbolo de um momento inicial, no qual as
coisas ainda pareciam fazer sentido, e o projeto revolucionário (nas esferas da
juventude, da arte e da política) prometia algo. Era uma utopia ainda possível.
Além do tom nostálgico do filme – que incomoda, mas faz
certo sentido historicamente – vejo como problemático o fato de haver milhares
de piadas internas, referências a filmes, revistas, jornais, e músicas da época,
que por estarem muito jogadas e serem rapidamente descartadas pela montagem
acelerada, não permitem ao espectador (ainda mais nós, de outra geração e
país) estabelecer relações e construir
significados. Referências, a meu ver, podem funcionar como um convite à
pesquisa, mas também afastar o espectador, se não permitem um mínimo de tempo e
de outras estratégias que nos permitam guardar as informações e até mesmo ter
um ponto de partida (algum tipo de hiperlink) para encontrar a referência
futuramente.
O que mais me incomodou é que o filme, ao querer fazer um
grande panorama da situação da Esquerda, lida com milhares de assuntos de
maneira um tanto fragmentada e superficial. Com tantas questões jogadas em
nossa frente, fica difícil compreender as pequenas coisas que constroem esse
todo que ele pretende representar. Não se sabe muito bem qual é a tese do
filme, se é que ele se propõe a tal. E, se a tese for uma tentativa de
mapeamento de 68, a pergunta que fica é: por que focar exatamente no momento de
desmonte, e bem agora, quando historicamente começamos finalmente a ter sinais
de possibilidades de mudanças históricas?