Confesso que os eventos recentes com o papa Bento XVI foram o motivo principal que me fez correr para assistir a esse filme e aproveitar a vibe. E por ser do Nani Moretti, esperava uma comédia com altas alfinetadas políticas. O filme tem um pouco desses dois elementos, mas menos do que eu imaginava. Em compensação, transborda em bizarrice (característica que eu uso como um elogio) e em sensibilidade humana.
Sim, a história tem coincidentemente muita relação com os últimos eventos do Vaticano; parece até que Moretti previa a renúncia do atual-ex papa quando fez o filme. A diferença é que o papa do filme já considera sua renúncia minutos após ser eleito pelo conclave, numa espécie de síndrome do pânico ou stage fright. Simplesmente recusa-se a aparecer na janela e fazer seu discurso de posse.
É diante desse surto do papa que a questão do humano por trás da santidade começa a ficar mais evidente no filme. Antes disso, porém, vemos uma série de candidatos ao papado tendo suas próprias reações de insegurança, todos apavorados com a possibilidade de serem escolhidos. Nosso protagonista, portanto, não é exceção. Aqui, o filme brinca com a maneira pela qual se elege um papa. É uma “eleição” tão anti-democrática que nem mesmo os candidatos queriam estar ali.
Ao perceberem que o surto do papa não foi algo passageiro, e que precisariam lidar com isso de alguma forma para apaziguarem a imprensa, os fiéis e até mesmo para poderem sair daquela prisão temporária no Vaticano e viverem suas vidas, os cardeais decidem levar até o Vaticano um renomado psicanalista italiano. A partir daqui o filme fica ainda mais surreal, como é de se imaginar. [Inclusive com uma pitada de "Máfia no Divã", eu diria].
Como conciliar a psicanálise, vista como uma ciência dos homens e suas fragilidades, com a aura religiosa do Vaticano? Numa cena impagável, vemos os obstáculos dessa combinação bizarra, quando os cardeais se recusam a dar privacidade ao papa em sua terapia, e quando um dos cardeais dá uma lista de assuntos proibidos na análise (sexo, família, infância, desejos reprimidos, sonhos... – basicamente todo o arsenal freudiano básico). O próprio psicanalista aparece numa chave “humanizada”, longe da figura clichê do cientista objetivo. É uma figura problemática, que traz elementos da sua vida privada o tempo todo, egocêntrico e com manias de grandeza.
Numa das epifanias do papa, ele descobre que seu sonho era ser ator, uma opção que lhe foi rejeitada quando criança e a causa de muitos de seus traumas. O curioso, no entanto, é que ser ator não é muito diferente do que ele faria enquanto papa. Ambos representam papéis. Isso fica evidente quando vemos que ele é facilmente substituível por um dublê sem que ninguém perceba.
O filme trata de muitas coisas, mas talvez o mais central seja o choque entre esse papel ‘divino’ e o papel social e humanizado do dia-a-dia. Para o papa, que ainda não se descobriu enquanto indivíduo e não entendeu ainda o mundo em que vive, é impossível assumir um papel de liderança. Mas como recusar, quando se foi eleito, e esse voto supostamente veio de Deus?
Habemus Papam. Só que não.
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