quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

#8 - Habemus Papam



Confesso que os eventos recentes com o papa Bento XVI foram o motivo principal que me fez correr para assistir a esse filme e aproveitar a vibe. E por ser do Nani Moretti, esperava uma comédia com altas alfinetadas políticas. O filme tem um pouco desses dois elementos, mas menos do que eu imaginava. Em compensação, transborda em bizarrice (característica que eu uso como um elogio) e em sensibilidade humana.

Sim, a história tem coincidentemente muita relação com os últimos eventos do Vaticano; parece até que Moretti previa a renúncia do atual-ex papa quando fez o filme. A diferença é que o papa do filme já considera sua renúncia minutos após ser eleito pelo conclave, numa espécie de síndrome do pânico ou stage fright. Simplesmente recusa-se a aparecer na janela e fazer seu discurso de posse.

É diante desse surto do papa que a questão do humano por trás da santidade começa a ficar mais evidente no filme. Antes disso, porém, vemos uma série de candidatos ao papado tendo suas próprias reações de insegurança, todos apavorados com a possibilidade de serem escolhidos. Nosso protagonista, portanto, não é exceção.  Aqui, o filme brinca com a maneira pela qual se elege um papa. É uma “eleição” tão anti-democrática que nem mesmo os candidatos queriam estar ali.


Ao perceberem que o surto do papa não foi algo passageiro, e que precisariam lidar com isso de alguma forma para apaziguarem a imprensa, os fiéis e até mesmo para poderem sair daquela prisão temporária no Vaticano e viverem suas vidas, os cardeais decidem levar até o Vaticano um renomado psicanalista italiano. A partir daqui o filme fica ainda mais surreal, como é de se imaginar. [Inclusive com uma pitada de "Máfia no Divã", eu diria].

Como conciliar a psicanálise, vista como uma ciência dos homens e suas fragilidades, com a aura religiosa do Vaticano? Numa cena impagável, vemos os obstáculos dessa combinação bizarra, quando os cardeais se recusam a dar privacidade ao papa em sua terapia, e quando um dos cardeais dá uma lista de assuntos proibidos na análise (sexo, família, infância, desejos reprimidos, sonhos... – basicamente todo o arsenal freudiano básico). O próprio psicanalista aparece numa chave “humanizada”, longe da figura clichê do cientista objetivo. É uma figura problemática, que traz elementos da sua vida privada o tempo todo, egocêntrico e com manias de grandeza.

Numa das epifanias do papa, ele descobre que seu sonho era ser ator, uma opção que lhe foi rejeitada quando criança e a causa de muitos de seus traumas. O curioso, no entanto, é que ser ator não é muito diferente do que ele faria enquanto papa. Ambos representam papéis. Isso fica evidente quando vemos que ele é facilmente substituível por um dublê sem que ninguém perceba.

O filme trata de muitas coisas, mas talvez o mais central seja o choque entre esse papel ‘divino’ e o papel social e humanizado do dia-a-dia. Para o papa, que ainda não se descobriu enquanto indivíduo e não entendeu ainda o mundo em que vive, é impossível assumir um papel de liderança. Mas como recusar, quando se foi eleito, e esse voto supostamente veio de Deus?

Habemus Papam. Só que não.


Veja o trailer do filme aqui
Baixe o torrent aqui

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

#7 - O som ao redor



Antes de conseguir assistir ao filme,  li muitos textos que fazem análises super interessantes sobre ele. Meu texto será bem despretensioso, só fazendo mesmo um breve relato dos pontos que me chamaram atenção, e recomendando fortemente que todos assistam a esse filme sensacional.

O Som ao Redor se passa na cidade de Recife,  e possui um enredo que se assemelha ao multiplot, mas não chega a ser exatamente um, pois algumas histórias não chegam a se cruzar, e parecem a princípio isoladas umas das outras até mesmo em seus simbolismos.

É muito difícil explicar, pra quem não viu o filme, sobre o que ele é. Ele é sobre tudo e nada ao mesmo tempo, com personagens fortes, mas que não se desenvolvem tanto num nível psicológico para que possamos acompanhá-los de maneira mais tradicional. Não tem grandes viradas dramáticas, nem grandes acontecimentos, até quase o final do filme.

Um tema que fica mais evidente é o do dia-a-dia urbano, principalmente a paranóia crescente dos moradores do bairro com a violência que os cerca. Porém, o incômodo dessas pessoas parece vir de outro lugar. O som ao redor, os barulhos que os incomodam, pode até ser a princípio um latido incessante do cachorro do vizinho, mas veremos que o buraco é muito mais embaixo.

Em rápidos flashes, ou mesmo na periferia do enquadramento, vemos os resquícios da escravidão e da lógica do coronelismo permearem o dia-a-dia daquele bairro de classe média; quanto mais eles parecem ignorar ou esconder essa ‘sujeira’ ou ‘barulho’, mais difícil fica, até os momentos em que as coisas se escancaram. Ou, numa metáfora explícita do filme, o sangue escorre como uma cachoeira.


As melhores cenas, na minha opinião, são as que exploram a relação que as famílias de classe média estabelecem com as empregadas domésticas, mesmo que estas não apareçam no enquadramento. Gosto bastante também de alguns detalhes sobre os personagens ligados ao coronelismo, o avô dono de quase todos os terrenos do bairro, e o neto que usa e abusa do poder de seu avô para cometer delitos sem punição. São eles os únicos personagens que conseguem caminhar pelas ruas perigosas da cidade em plena madrugada, sem qualquer medo. A paranóia fica para os outros. O avô até mergulha na praia cheia de tubarões, tão confiante que é de que seu poder é inabalável.

Talvez o personagem mais curioso seja João, o outro neto, e suas crises de consciência, sentindo-se levemente culpado por pertencer à classe dominante. O filme é cheio de “boas ações” dele, preocupando-se com os fracos e oprimidos, desde que não atrapalhe seus compromissos, é claro.

Por fim, vale lembrar que o título não é apenas referente ao simbolismo temático, mas também um convite a observarmos a edição de som do filme, que é muito bem feita e capturada de maneira muito diferente de outras produções. Assim, os sons que geralmente não escutamos, principalmente porque estamos em uma cidade grande, ficam mais altos. Os diálogos, que deveriam ser captados numa qualidade melhor, às vezes são incompreensíveis. Genial.


Assista ao trailer aqui.

O filme ainda está nos cinemas. 

domingo, 10 de fevereiro de 2013

#6 - Good Hair




Good Hair (2009, EUA) é um documentário produzido, narrado e protagonizado pelo comediante Chris Rock, que sai em busca de informações a respeito da cultura que se formou em torno do cabelo africano nas últimas décadas.
Logo no início do filme, Chris Rock comenta que o que o impulsionou a investigar o assunto foi uma pergunta que sua filha de 5 anos fez para ele: “Por que eu não tenho cabelo bom”?
A jornada em busca de uma explicação para essa questão ou, em outras palavras, para os motivos pelos quais os negros (essencialmente as mulheres negras) pagam fortunas para alisar seus cabelos, numa necessidade urgente de negar literalmente suas raízes africanas.
Até aqui o filme promete, né? Na verdade, porém, ele me decepcionou um pouco. Talvez porque o assunto é tão interessante que gera altas expectativas, ou talvez porque o Chris Rock parece ter ficado tão chocado com as coisas que descobriu que ele mal conseguiu reagir a isso e lidar de maneira crítica e instigante.

Ainda assim, vale a pena ver o filme, exatamente por essas revelações capazes de chocar o comediante. Alguns exemplos são os preços absurdos dos apliques (e das manutenções semanais que eles exigem), a origem bizarra desses apliques (que são feitos com cabelos humanos), a relação com as indústrias chinesas e coreanas e as mulheres indianas (maiores doadoras de cabelo, pra não dizer vítimas de um golpe que envolve os templos da Índia e o tráfico de cabelos), os malefícios surreais que os produtos químicos de alisamento causam para a saúde das mulheres, etc. Isso sem mencionar as conseqüências disso no dia-a-dia das mulheres, que nunca entram numa piscina, vivem estressadas com a chuva, nunca tomam banho com seus namorados e maridos, e precisam evitar certas posições sexuais para que não tenham constrangimentos com os cabelos.


O filme passa um bom tempo acompanhando uma espécie de reality show de cabeleireiros famosos, o que pra mim é o ponto mais fraco de todo o roteiro. Poderia ter focado mais nos três fundamentos em que se baseiam toda a questão do cabelo: o racismo, o machismo e o capitalismo.
Racismo, sim, porque não é coincidência que o cabelo ruim é o negro, e o bom é o liso, no padrão europeu.
Machismo, sim, porque aposto que, de cada 100 pessoas (negras ou não) com problemas sérios de auto-estima com seus cabelos, 99 são mulheres. São elas que precisam estar “bonitas”, “apresentáveis”, etc, para conseguir um emprego, um marido, uma vida feliz. Há uma cena com uma moça de Black Power em que suas amigas mencionam que jamais a contratariam para um emprego por causa de seu cabelo. “Ele não passa seriedade”.
 Capitalismo, sim, porque quase nada disso seria assim se não houvesse um grande interesse de mercado incentivando as pessoas a consumirem esses produtos. São 9 bilhões de dólares apenas na indústria para cabelos negros.
O filme pouco explora essas três questões, mas nos deixa com uma sensação muito amarga ao revelar, nas vozes das próprias mulheres negras (muitas delas pobres), que a coisa toda está tão intrincada na cultura afro-americana que parece quase impossível haver uma mudança. Com que direito ele impedirá suas filhas de alisarem seus cabelos, ou de colocaram apliques, se isso significa a única opção que elas têm de se inserirem e serem aceitas na sociedade?
Ele não diz isso, mas suas expressões de tristeza ao longo do filme transmitem essa sensação. Uma mentira dita 50 vezes torna-se uma verdade. Racismo, machismo e capitalismo juntos vêm mentindo para nós há muito tempo, chegando ao ponto de definirem claramente o que é certo e o que é errado, o que é bonito e o que é feio, sem que a gente perceba que é algo imposto, e não natural.  


Veja o trailer do filme aqui

Baixe o torrent aqui [via piratebay]



terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

#5 - Five broken cameras



“5 Broken Cameras” é um documentário dirigido pelo palestino Emad Burnat, com participação do diretor israelense Guy Davidi. Emad é também quem está por trás da câmera do filme, e é ao mesmo tempo protagonista e narrador da história.

Em linhas gerais, ele [e suas 5 câmeras] nos conta a história da luta de resistência de seu vilarejo, Bil’in, ameaçado pela ocupação israelense. Mas o filme é muito mais interessante do que essa breve descrição faz parecer. A história começa em 2005, quando ele compra sua primeira câmera para filmar o nascimento do seu filho caçula. Nessa mesma época, ele inicia-se a construção de uma barreira que ultrapassa a fronteira e ocupa parte do território de seu vilarejo, roubando deles sua terra, lar e sustento. A comunidade palestina inicia um processo de resistência que sua câmera vai testemunhar junto com o crescimento de seu filho.

Assim se passam 5 anos e 5 câmeras. As câmeras, também personagens do filme, possuem sua própria história de resistência e fragilidade. Assim como elas quebram (ou melhor, são destruídas pelos soldados que não querem ser filmados), amigos e parentes de Emad são presos, feridos, assassinados nesse processo.


A precariedade das câmeras e de seu processo de filmagem é evidente durante o filme. O importante, no entanto, é filmar. Mesmo fora de enquadramento, sem cores ou com defeito na lente. E essa estética da precariedade torna o filme ainda mais rico.

Emad muitas vezes aponta para o fato de que a câmera salva sua vida, seja fisicamente (a bala se instala dentro do aparelho, protegendo o corpo do cineasta), seja politicamente, pois ela funciona como uma arma (mesmo que seja uma simples pedra, comparada à força do antagonista) que ele aponta para o inimigo. Sua câmera, portanto, não é apenas testemunha, mas agente político e histórico.

Na minha opinião, o mais incrível desse filme é a relação que ele consegue fazer com o registro da vida do filho e da história política da comunidade, tudo mediado pela história das suas 5 câmeras. Cada uma delas pontua uma fase na vida de seu filho e na guerra entre palestinos e israelenses, de tal maneira que fica impossível separar o pessoal do político. No caso dessa comunidade, é mesmo impossível, uma vez que tiros e explosões, sangue e manifestações fazem parte do cotidiano deles.

Quando ouvimos o cineasta filosofar sobre a existência, sua crise existencial é a mais pura possível, pois é permeada pelo risco de vida constante. Também enquanto camponês, sua luta política é a mais concreta possível: para eles, a luta pela terra é uma clara batalha de identidade. Filmar, no caso de Emad, serve para dar um sentido a tudo aquilo que ele vive.

É surpreendente ver que as primeiras palavras do filho se referem à fronteira, e que seus primeiros passos acontecem ao redor do muro. Automaticamente nos colocamos a questão: até que ponto deve-se envolver uma criança nisso tudo? Mas em seguida nos perguntamos se é possível não envolvê-la. Como proteger as crianças? Mantendo as longe de tudo? Ou perto, para aprenderem?

Um momento forte é o diálogo em que o filho pergunta alguns porquês ao pai. “Por que você não mata os soldados com uma faca?” “Por que eles mataram Phil? O q ele fez pra eles?”. Isso é seguido de uma cena em que vemos outra criança, inconformada com a prisão de seu pai, que acontece na sua frente.

Não dá pra dizer mais que isso sem estragar a surpresa e a beleza da narrativa. Paro por aqui com uma frase de Emad que, ao resumir sua experiência, resume também o papel do cinema político: “Forgotten wounds cannot be healed. So I film to heal. It helps me confront life and survive”.

OBS: O filme está concorrendo ao Oscar de melhor documentário. Pudera!

Assista aqui ao trailer do filme.

Clique aqui para baixar o torrent [via PirateBay]