quarta-feira, 24 de julho de 2013

#10 - Depois de Maio



O filme francês de 2013, dirigido por Olivier Assayas, é mais uma tentativa de lidar com os acontecimentos de maio de 1968. O que ele faz de diferente é focar sua análise nos anos 1970, ou seja, no período já de decadência pós-68.

O protagonista, Gilles, no início da trama é ainda um garoto secundarista, envolvido nas discussões do movimento estudantil do liceu onde estuda. Com o decorrer da narrativa, ele e seus colegas de classe precisam tomar escolhas profissionais. É a partir desse contexto que os conflitos políticos da época nos são apresentados.

A politização de Gilles, por exemplo, sempre está relacionada ao seu interesse pela arte, seja o desenho, a pintura, a música ou o cinema. O jogo entre arte e política é vivido por ele até mesmo no plano amoroso (sua primeira namorada era artista; a segunda, militante).

Uma das cenas simbólicas dessa discussão é aquela em que ele decide não embarcar com a segunda namorada no projeto de um grupo de documentaristas, por discordar da postura estética adotada por eles. Em torno desse embate, há uma discussão sobre o famoso debate forma VS. conteúdo. Quais são as estratégias estéticas que a Esquerda deve adotar? O filme, além de não dar uma resposta para isso (e nem devemos cobrar isso dele), passa muito rapidamente pela discussão, e a torna um tanto caricata, como se houvesse apenas duas opções: o vanguardismo puramente estético ou a abordagem meramente conteudística em formato ultra-tradicional. Um tema extremamente importante de ser discutido, mas que o filme acaba lidando de maneira um tanto superficial.

Num outro momento do filme, os mesmos documentaristas relatam a experiência que tiveram com a filmagem, dizendo que perceberam a necessidade de “dar a câmera nas mãos dos operários” que foram filmar. Em seguida, comentam que ainda não sabem o que fazer com o material, se devem ou não dar para os operários editarem, uma vez que eles não conhecem a técnica. Novamente, o filme perde a oportunidade de lidar com uma discussão riquíssima ao simplesmente cortar a cena e mudar de assunto.

A narrativa, então, estabelece um percurso no qual, através do protagonista, seus envolvimentos com outros artistas e com as ações do movimento estudantil, vamos acompanhando as tensões do momento histórico. As imagens que temos são de muita repressão, ao mesmo tempo em que temos a sensação de não haver foco nas estratégias e no pensamento da Esquerda daquela época. Ainda há energia combativa, mas o projeto de 1968 já está degringolando.

No final, o protagonista – até então dividido entre a arte e a militância mais hardcore –, é sugado pela indústria. Por intermédio de seu pai, cineasta, começa a trabalhar como assistente num projeto de cinema que se diz independente, mas é claramente comercial e distante do tipo de proposta artística ou política com a qual o jovem esteve engajado até então.

Curiosamente, muitos dos personagens ao final voltam para o colo dos pais. Esse movimento é claramente um simbolismo do retrocesso histórico pós-68. Uma vez que a revolução não aconteceu, e os espaços de luta estão cada vez mais cercados, resta aos jovens procurar um lugar no mercado, e serem acolhidos pelo calor dos braços da geração anterior.

Mesmo com essa inserção explícita na indústria cultural, a última imagem do filme é do subconsciente de Gilles. O que ele nos mostra são imagens nostálgicas e idealizadas de sua primeira namorada. Além da conexão que estabelecemos entre essa namorada e o lado mais artístico do protagonista, a moça parece funcionar aqui como símbolo de um momento inicial, no qual as coisas ainda pareciam fazer sentido, e o projeto revolucionário (nas esferas da juventude, da arte e da política) prometia algo. Era uma utopia ainda possível.

Além do tom nostálgico do filme – que incomoda, mas faz certo sentido historicamente – vejo como problemático o fato de haver milhares de piadas internas, referências a filmes, revistas, jornais, e músicas da época, que por estarem muito jogadas e serem rapidamente descartadas pela montagem acelerada, não permitem ao espectador (ainda mais nós, de outra geração e país)  estabelecer relações e construir significados. Referências, a meu ver, podem funcionar como um convite à pesquisa, mas também afastar o espectador, se não permitem um mínimo de tempo e de outras estratégias que nos permitam guardar as informações e até mesmo ter um ponto de partida (algum tipo de hiperlink) para encontrar a referência futuramente.


O que mais me incomodou é que o filme, ao querer fazer um grande panorama da situação da Esquerda, lida com milhares de assuntos de maneira um tanto fragmentada e superficial. Com tantas questões jogadas em nossa frente, fica difícil compreender as pequenas coisas que constroem esse todo que ele pretende representar. Não se sabe muito bem qual é a tese do filme, se é que ele se propõe a tal. E, se a tese for uma tentativa de mapeamento de 68, a pergunta que fica é: por que focar exatamente no momento de desmonte, e bem agora, quando historicamente começamos finalmente a ter sinais de possibilidades de mudanças históricas?


sábado, 13 de julho de 2013

#9 Truque de mestre


Bateu aquela vontade repentina de ir ao cinema sozinha em plena 6ª feira. E escolhi o filme mais hollywoodiano possível – dentro dos limites da minha paciência e do meu interesse, claro – para alegrar minha noite.

Não conhecia o diretor (que mais tarde vi ser o mesmo de Fúria de Titãs e de O Incrível Hulk), mas o roteiro que vi no trailer me interessou muito.

Truque de Mestre (Now you see me, EUA, 2013), dirigido por Louis Leterrier, conta a história de um grupo de mágicos com diferentes habilidades que se reúnem para fazer um projeto robinhoodiano.  Os shows-atos dos “Quatro Cavaleiros” roubam dinheiro de bancos e milionários e distribuem para a platéia. Há cenas catárticas, como aquela em que vemos o dinheiro saindo da conta do milionário e sendo devolvido para as pessoas que foram vítimas das falcatruas de sua empresa. 

Sem entrar em detalhes do enredo, que não sai muito do que já descrevi acima, o que me chama a atenção nesse filme é a metáfora da Mágica. Se é um filme de roubo, que parece defender a tese da necessidade da distribuição de renda, esse roubo só é possível através da mágica. Não é à toa que o primeiro show acontece em Las Vegas, o que reforça ainda mais a idéia de “capitalismo cassino” que permeia o imaginário do filme e da nossa sociedade contemporânea.

Se temos a sensação de que o dinheiro some e reaparece como mágica nas transações diárias que testemunhamos na economia atual, não me parece inverossímil que o filme construa essa relação nos mesmos termos, levando a metáfora da mágica ao pé da letra. O que preocupa é, de novo, a mágica como única possibilidade de reviravolta. A justiça social parece depender de um milagre. Ou seria de um truque?

Os Quatro Cavaleiros, além disso, são liderados por alguém que nem eles mesmos conhecem, apenas obedecendo ordens. Novamente, temos a dificuldade de figuração de uma liderança como sintoma de nosso momento histórico. E, se não conhecemos o líder, sabemos menos ainda de que lado estão os Cavaleiros. No final, o filme revela quem é. Não farei spoiler aqui, mas já adianto que essa revelação não esclarece muito a posição ideológica do filme.

Além do suspense em relação ao líder, o filme brinca também com os aliados. E com a figura do 
detetive/investigador, que parece estar sempre um passo atrás dos mágicos, iludido pelos truques. O maior problema é que não só o detetive, mas também nós espectadores, somos expostos ao ilusionismo dos truques – nesse caso da montagem. As cenas, recheadas de ação, possuem uma montagem rápida que cria o mesmo efeito ilusionista da mágica.


O que os mágicos fazem em seu ato, apesar de flertarem com um rompimento interessante da lógica do Capital ao brincarem com a coisa de maneira robinhoodiana, é puro espetáculo. As massas, hipnotizadas, comportam-se passivamente e estão lá para serem entretidas, num jogo que já tem todas as cartas marcadas. Nós, espectadores, somos expostos ao mesmo tipo de espetáculo. É um filme sintomático de si mesmo.